terça-feira, maio 27, 2014

XV.

talvez nunca saibas o quanto fui teu. o quanto os meus braços sentem a falta dos teus abraços quentes. enquanto o teu cheiro se entorna para dentro do meu peito. e tu te debruças sobre o meu coração apertado. como chuva de verão. talvez nunca saibas a morte que me provocaste. porque hoje sou apenas a vontade de morrer e de escorrer para dentro da terra. talvez nunca saibas para onde fui quando o mundo inteiro se encolheu nas minhas mãos e eu. passei a ser a sombra de todos os sapatos. e as folhas que as árvores abandonaram no outono. e as marés desfeitas sobre o céu cinzento. e até quando as ruas ficaram desertas. eu. fui. a corrente de ar debaixo de todas as portas daquela cidade. e tu. de lenço na cabeça a olhar o mar. talvez. nunca saibas quem foste para o meu coração apertado. talvez apenas suspeita. de que o meu coração é um barco encalhado num molhe. distante. de qualquer lugar. ou. nada.    

segunda-feira, maio 05, 2014

XIV.

hoje. tenho o peito. entupido. de saudades. que nem ar. ou luz. me entram nos pulmões. e não consigo respirar. senão. a tua ausência. 

cheiras. a sal. no mar. e a flores. no campo. e a risos. no colo. e a cabelo. nas mãos. 

domingo, março 23, 2014

XXIII

meu amor. a minha vida traiu-me. vi-a. pegar numa faca e cortar todos os laços. que me agarravam a ti. e quando te tentei abraçar. para não te perder. ouvia-a. lamentar-se às estrelas. e o meu céu. ficou escuro. e sem luz. depois. fugiu-me. esta vida. por entre as mãos. e sem qualquer sentido. deixei de respirar. mas não morri. e no final. ao entardecer. e já cansado. ela. triste e sem rosto. acabou por deitar a minha alma. fora. ao mar. e hoje. já não sou mais. que sal. 

tentei. viver. outra vida. mas nem outra vida tenho. senão esta. que hoje. me traiu. meu amor. e agora que te escrevo. não resta muito mais. que estas palavras. já sou apenas. memória. em onda. espuma. e vagar.

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

XXII

bocejas. passas as mãos pela cara e prendes o cabelo com um gancho tosco que encontras na mala. quase que sinto o teu cheiro. daqui. as tuas mãos docemente rugadas nas pontas dos dedos. e onde só os meus dedos cabem no meio dos teus. os teus olhos de sono. bocejas novamente. fechas e abres os olhos. fazes-me uma pergunta. eu respondo. franzes a testa. mordes o lábio. e eu. vejo o teu lábio a torcer sobre a força do teu gesto. mordo o meu também. por simpatia. não. para sentir o mesmo que tu sentes. quando mordes o teu lábio. é como se mordesses o meu também. olho-te. assim. ao longe. escondido entre a sombra da parede e a textura desfocada da tua miopia. agora mordes o dedo. com a firmeza desencontrada dos lábios. eu beijo-te daqui. e não sei se tu sabes. que te estou a beijar.

sexta-feira, janeiro 03, 2014

XIX.


se eu visse o amor. riscado nalguma parede. escrita em letras maiúsculas. feitas de tinta esborratada. não saberia. o que fazer. se eu o agarrasse. também não saberia como guardar. as letras maiúsculas. feitas de tinta esborratada. riscadas naquela parede. se eu passasse por ele. também não saberia ler. as letras maiúsculas. feitas de tinta esborratada. e então. como saberia. se naquela parede riscada. escrita em letras maiúsculas. feitas de tinta esborratada. era o amor. 

sentiria o teu cheiro. na tinta esborratada. e veria as linhas do teu rosto. nas letras maiúsculas. e a parede. os lençóis caídos da tua cama.  

terça-feira, novembro 26, 2013

XIX.

agora que escrevo sobre ti. e sobre o amor. acabaram-se as palavras. as portas das ruas fecharam-se. as luzes apagaram-se sobre o pavimento onde andámos. não se ouviu o mar. nem um suspiro mascarado de onda. os pés e as mãos. ficaram frios. os lábios antes. húmidos. deram lugar a uma mucosa fechada. o corpo. esse. permaneceu morto. já como antes. estava. e eu nunca. mais te vi. dentro dos meus braços.

terça-feira, agosto 27, 2013

XVIII.

não sei para onde foram os pensamentos que o meu coração desenhou naquela ardósia negra feita de noite. não sei para onde foram as vozes que o enchiam durante o dia. e se escondiam. quando todos dormiam. não sei para onde foi o sossego com que determinava o que dentro de mim crescia. e o que podia morrer. destilado e vago. não sei para onde foi. a solidão e os bichos que a comeram. e em que parede o ódio se encravou. como um quadro de uma natureza. morta. não sei para onde foi. a minha alegria. ou o remédio que tomava para a curar. da tristeza. não sei para onde foram todas as palavras escritas. e o papel que as engoliu. não sei para onde se vazou a tinta dos meus olhos. ou para onde o sol se. escorreu para dentro do horizonte. não sei onde tudo acabou e morreu. não sei se algum dia. todos os meus dias verão. a luz. e se tudo o que fiz. me levou a lugar algum. senão. até aqui. à incerteza.