quinta-feira, dezembro 27, 2012


inalcançável. o que não pode ser alcançado.

parte de mim. já partiu. meia parte. da parte que ficou. ainda pensa em partir. e a outra parte. há muito que desistiu. de o fazer. assim. despedaçado. e em partes iguais de pesos diferentes. resta-me. o corpo para saber. onde estou. e não chove. como chovia antes. nas tardes. fechadas ao meio-dia. onde nem os passeios se viam. com tanta água. e os passos se confundiam. com as pedras da calçada. e não sabiam para onde iam. eu. não sabia para onde ia. 

e agora. ainda não sei. para onde vou. mas já não chove como chovia antes. onde as tardes. se fechavam ao meio-dia. e os cafés se enchiam de gente. como uma chama de um fogo se enche de centelhas. e todos falavam alto. e escutavam as conversas uns dos outros. e no fim. ninguém se ouvia. e quase ninguém. sabia o que queria dizer. com aquelas palavras. negras. 

e ainda hoje. não sabem. o que querem. nem eu sei. o que quero e para onde vou. e sento-me. a ver um fogo a arder. a madeira. a revoltar-se contra o fogo. que a come. e o fogo. a morder a madeira. que a odeia. e juntos. nessa luta desigual. fazem-me juntar as mãos para aquecer. a parte do corpo. que já nem é metade. do que foi. nem parte do que ainda comigo está. e assim. faço. para me esquecer. que tudo o que sei e quis. não passa. de um fogo moribundo. a arder. sem fim. 

...

segunda-feira, dezembro 17, 2012

III.

o tempo toma. cada metro de vida. uma constante inseparável. do resto e do que fica. o tempo. não reconhece. passado. ou futuro. apenas o presente. e do presente. não tenho nada. porque o que tive. ficou lá atrás. os amigos. os abraços tristes das despedidas. os risos loucos. as calças de flanela. quase sempre a picar a pele. os momentos em que me senti. a vencer o monstro que cresce dentro de nós. e que se chama medo. os lugares. os cheiros. a casa dos meus pais. as tardes de final de domingo a ver televisão. os trabalhos da escola. quase sempre a correr. quase sempre mal feitos. as feridas nos joelhos. as mãos sujas de terra. os lábios cortados do frio. a infância. ingénua. como um risco de sol. numa sombra. entre prédios. os dentes a morder uma maçã. verde. amarga. doce. no fim. o vento no rosto. a corrente da bicicleta a soltar óleo. nas calças. as pernas a tremerem. depois de correr. e a velocidade. que parecia quase imbatível. o meu primeiro cão. branco. cinzento. preto. castanho. mancha preta no olho. sentado entre as minhas pernas. língua comprida. pêlo macio. mãos esquecidas de ti. o último dia escola. as férias de verão. a mochila atirada ao ar. o largo. onde jogava à bola de manhã à noite. Itália 90. Maradona. Klinsmann. depois. a sério. os treinos. o chegar tarde. cansado. o cabelo molhado do banho. nem sempre quente. as lesões. as frustrações. a coragem. o tentar ser melhor. a humildade ao vencer e ao ser vencido. a braçadeira. o futuro. ainda falta muito para isso. nem sei o que é. os primeiros des.amores. o escrever poemas em pedaços de guardanapo. de os dar a ler. a quem não merecia. as noites. a ver o mar. e um barco. a passar lá ao fundo. as luzes a iluminarem. as ondas. e o barulho do trotear dos motores. como um ronco. no coração. aquele beijo. no fim do verão. as tardes secas. e o sol. a encher o céu. de laranja. de cobalto. de secura. e de ânimo. a vida era tão longa. a vida ainda estava para vir. a pele cheia de areia da praia. sal. nas frontes. a roer um pêssego. a pele do pêssego. a fazer comichão. na língua. a língua. a entorpecer. pelo sabor do sumo. amarelo torrado. e a cor-de-pêssego. as mãos. juntas. outras mãos. juntas. e outras mãos. juntas. todas elas diferentes. todas elas. apagadas por entre as linhas. das minhas mãos. os dedos. nas cordas. os acordes. a voz a tentar enganar. as músicas. sheets of empty canvas. o mi menor. sempre o mi. menor. que faz arrepiar a pele. 

.em construção.

sábado, dezembro 15, 2012

II.1/2. meio.


meio. entregue. apaixonado. vil. e mascarado. a roer. a moer. a estragar. e a completar. a encolher e o vento. a rosnar. a escarnecer. e a partir. sem voltar. ao mesmo lugar.

cheio. a meio.tom. a escolher. as palavras. e a mover. os gestos. a perder. e a morder. a parte. mais estranha. o queixo. o lábio. o dedo. a salivar. os olhos. a brilhar. a escurecer. um horizonte a entornar-se. a dar-se. mais perto. e nunca longe. nunca. secreto. 

um quarto. um terço. uma parte. um passo. uma medida. uma unidade. um centímetro. um segundo. um palmo. dois. metros. e meio. até. ao lugar. onde o vento. se perdeu.

nada a dizer. tudo calado. tudo fechado. e meio. parado.